segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Eu já tinha visto a moça desde que a banda começou a tocar.

Com certeza ela se destacava:  era aquele tipo de mina milimetricamente arrumada, com roupa combinando com óculos, com bota, com calça que nem sei o nome do material, as cores branco e preto, básico, batom vermelho e aquele óculos da moda de agora, gigantes, e o cabelo comprido dum lado, raspado um pouco do outro. Com certeza era uma mina muito bonita, mas pra mim parecia emburrada quando olhei vez ou outra pra ela encostada naquela parede enquanto a banda tocava.

Do lado de fora tinha esse sofá meio velho e meio rasgado, que combinava bem com a decoração do lugar, chegava a ser bem simpático e por isso sentei quando já estava bem cansado do dia inteiro e da cerveja. Cerveja faz mais efeito quanto mais cansado se está, é um ótimo calmante se a mente já vem calma, com as energias boas no lugar certo.

E aquela mina tinha algumas amigas, todas muito bonitas, meio que saídas de uma revista de moda daquelas boas, referência. Mas mesmo assim aquela mina não parecia muito animada, e eu ficava pensando, entre várias outras coisas de várias outras pessoas, o que será que tava acontecendo com ela, que ficava com toda aquela lindeza mas com um jeito que impaciente.
Parecia aquelas fotos da Clarice Lispector que condizem com algumas de suas personagens, o tipo de mulher que mesmo por mais incomodada que esteja, por mais chato que tudo ao redor seja, elas ficam lá e esperam acabar. Era isso que aquela mina me passava com a pose dela.

Mas uma coisa eu não percebi, esses óculos sempre me enganam, até mesmo os que não são escuros, aquela mina que não é nada boba percebeu que eu olhava pra ela vez ou outra. Agora!, a mente feminina é indecifrável, não perca seu tempo tentando entender coisas que estão além do seu alcance, você vai entender o que eu digo quando terminar de contar a história.
No sofá cabiam confortavelmente três pessoas, e, nesse caso, estava um amigo, eu, e aquela mina, que sentou do meu lado e já pediu um cigarro. Isso é claro e ninguém tem dúvida, em lugares como esse nunca ouvi alguém dizer "oi, gostei de você, vamos conversar?", simples assim, nunca ouvi uma história que seja de que isso funcione. Essa frase é sempre substituída por "me arranja um cigarro?" ou até "quer uma cerveja?" ou ainda "me dá um gole da sua cerveja?", e aquela mina queria um cigarro, e foi assim que a conversa começou. Mas foi uma conversa estranha, não sei dizer quem bebeu mais ou quem fumou demais, mas a conversa foi bem estranha, ela tinha essa cara de foto da Clarice Lispector que me foi indecifrável, mesmo. E também não sei dizer por quanto tempo a gente conversou, se foi cinco minutos ou meia hora, não sei mesmo dizer, mas a conversa foi bem truncada.

E aí as amigas dela, lá do outro lado do lugar, resolveram que era hora de ir embora, e aquela mina cansou de fumar, levantou e foi embora, direto pro caixa pagar e direto pra porta e sumiu.

Meu amigo olhou pra mim com indignação masculina e lerdeza embriagada "como assim você perde uma dessas, cara?" "também não sei, não sei qual era a dela, só sei que parecia muito emburrada", e ele me deu talvez o melhor conselho que nenhum pai, ou tio, ou amigo do pai já me deram, é aquele tipo de coisa que a gente já nasce sabendo, mas só consegue organizar o pensamento quando outra pessoa vem e nos fala. Ele me disse "95% do jogo é você saber administrar esse tipo de coisa. 95% do jogo é conseguir ultrapassar essas barreiras. Quando você for bom nisso, acabou".

0 comentários: