domingo, 3 de outubro de 2010

Ressucita, pelo fim da tua vida

OU

(Como arrependimento não é botão de reset - Parte II)

Foi pensando sem parar que percebi que hoje me arrependo, apesar de não saber ao certo como arrumar o que vem pela frente. Há mais de duas semanas (talvez umas três ou quatro) comecei a pensar no quanto a minha falta de sinceridade me levou pra dentro de um buraco em praticamente todas as relações interpessoais que tive na vida.
Fazendo uma das poucas coisas que sei fazer, ouvir música e lavar louça (quem não ajuda também não deve atrapalhar) e tentando sozinho desentalar a garganta presa, uma fagulha foi o suficiente pra trazer muita coisa que guardo só pra mim, e que agora divido com você, computador:

And Martha, Martha, I love you can't you see?

Tom Waits tem sido um inesperado companheiro, e naquele dia, mais uma vez ele veio me mostrar algo muito bonito e triste. Com as mãos ensaboadas, molho de tomate no fundo das panelas, meus olhos se encheram de lágrimas, das mais silenciosas que alguém pode ter. Silenciosas pois saíram de uma ferida profunda, mas trouxeram talvez um entendimento tão claro das coisas quanto uma epifania. Apesar do Mura, eu nunca me entreguei realmente ao amor.

Foi uma porrada muito forte perceber mais uma vez que eu errei junto com o mundo. Um estúpido que tem medo de si próprio, medo de morrer ainda jovem, protegido por muros de soberania e controle das situações.
De todos os relacionamentos amorosos, platônicos, de amizade, familiar e toda sorte de relacionamentos, nunca senti realmente que estava pronto para dizer "eu te amo". Sempre havia algo faltando para se atingir esse "clímax", algo que hoje vejo que foi muito mais da minha falta do que da falta dos outros.
Enquanto tentava segurar as lágrimas (não consegui, elas escorriam pelo meu rosto) fui percebendo o quanto sempre tive dentro de mim um potencial imenso para o amor e que, não sei quando isso aconteceu, fui deixando de lado gradativamente e me tornando alguém meticuloso, que calcula friamente as possibilidades e se entrega ao caos das relações de uma forma quase superficial.
Falando de mulheres, quantas vezes não perdi imensuráveis carinhos, simplesmente por não deixar que a minha sinceridade tomasse conta inteira de mim. É dessa sinceridade que tenho falado ultimamente, sim, dessa sinceridade; de poder dizer o quanto as pessoas são especiais para mim (e o são de verdade, sem interesse algum senão o de querer que elas vivam!) o quanto preciso delas pra poder perceber que estou vivo, o quanto odeio certas coisas que me fazem e o quanto estou disposto a carregar pesos enquanto espero que nos acomodemos. Falo de pessoas realmente especiais, que juro que não vão me ferir - porque eu sei, e é por isso que limpo as lágrimas na manga da camiseta, que se me machucaram de alguma forma, minha falta de sinceridade tem muito peso nisso.

Não entendo como, com todo o potencial que sempre tive pra amar (de todas as formas, Mura, é por isso que criei você) o medo de morrer me fez forte em frear impulsos completamente sadios de afeto, sempre funcionando no "quase lá".

Numa dessas noites me arrependi de não ter deixado transparecer o quanto sofri com uma notícia recebida por MSN. Então sofri em escala exponencial por achar que seria mais forte que eu mesmo, escondendo cada vez mais meus sentimentos.

Tenho cada vez mais ódio da mentira e da preguiça, mas, sei que elas já estão completamente marcadas em mim, eu mesmo me certifiquei de que elas ficariam bem gravadas. Não é de uma hora pra outra que alguém consegue dar um reset em tudo aquilo que a compõe, não há ressureição divina em três dias pra ninguém.
Terei que trabalhar como um homem, com as mãos destruídas de tanta luta (não mais destruo meu corpo como forma de me purificar do outro, mas para me purificar de mim mesmo) e com a cabeça livre. Preciso de liberdade, muita liberdade. Preciso que deixem que eu faça do meu jeito, e caia e levante e caia e levante e queime o corpo e quebre os braços e me cure o quanto for. Só assim aprendo de verdade - não tomem as decisões por mim, mesmo que eu não entenda nada daquilo que devo decidir, quero ajuda e não muletas eternas, minhas pernas estão bem fracas.

Pode pensar o que quiser, computador, mas sou quase tão ruim quanto os piores. E agora fico na péssima desculpa de que, no amor, só menti pra mim mesmo e nunca para os outros.
Não sou superior a ninguém nas poucas qualidades que tenho, no máximo estou no mesmo nível.
E se isso tivesse claro pra mim desde o início, meus olhos, naquele momento na pia de lavar louça, provavelmente não estariam vermelhos de tanta tristeza.

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